Palacio de MAFRA - Sala dos Bispos

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

 "NHA TERRA CABO VERDE É UM BRASILIM",

por Adriano Reis

(para ele; para o Povo de Cabo-Verde)

Retirei, ainda ontem, para reLER, os "Flagelados do Vento Leste", de Manuel Lopes. O Graciliano Ramos de Cabo Verde nele inscreveu a essência do homem no combate de si. A resistência. A coragem de enfrentar os desertos da terra, OS SERTÕES e as fissuras crestadas da pele interior. VEREDAS. Tu fizeste-me ressignifcar a bússola do meu tempo. Meus Kongos antigos, meu Okavango que chora, meu deserto do Namibe, meu Kuanza infante, Cabo Lêdo, Morro dos Veados, Senhora da Muxima, Cacuaco, Massangano, Nambuongongo... Veio tudo, de novo, Adriano Reis. A grande catedral da Cidade Velha no teu arquiPÉLAGO, verde de nome, porque assim viram e baptizaram as ilhas no tempo das chuvas a caminho da Índia. No regresso, secas e empedernidas, afinal não eram verdes. Eram pedaços de sertão pingados no longo Atlântico. Essa é a realidade da tua terra. A fome das águas. O céu que choram porque quando ele chove, as lágrimas não escolhem o teu Cabo Verde para desmorrer. E assim estão há séculos, nessa luta homem a homem contra a implacável natureza. Mas têm a coragem de um tempo antigo em vós inscrita. E enfrentam as escarpas, plantam pés de mandioca num centímetro de terra impossível, juntam gota a gota a água que não vos chove, sobem burrinhos, e vós, caminhos inclinados com ânforas sagradas. A água vem como o maior e o melhor dos bens. Vocês dão o vosso sangue pela água que precisam para crescer a erva que alimenta a cabra que dá leite ao filho. Mulher, cabras e filhos em redor da água. É o que me sempre lembra Cabo Verde. Muitas mulheres carregadas com muitos filhos à ilharga. Os homens já partiram há muito. Mundo afora. Pais, irmãos, maridos que nunca foram. E elas lá, carregando o mundo. A tua terra Cabo Verde, Adriano Reis, devia ser estágio obrigatório para o crescimento dos homens. Aprenderíamos muito sobre a Humanidade, se nos largassem um tempo entre vós. Mesmo sem água, nenhum forasteiro passa fome ou sede na tua terra. Porque vocês, cabo-verdianos, não sabem ler a palavra estrangeiro. Vocês são o mundo inteiro pelo mundo perdidos. E sempre encontrados. Se não for em outro lugar, procure-se nos palácios reais. Eles andam por lá a contar storias da sua terra, dos seus avós. Storias que são de todos nós. Nós, Cabo Verde!
Maria Adelina Amorim
Historiadora. Docente universitária. Investigadora. Autora.